As cores do mar, de Aleilton Fonseca

Lirismo e emoção entram em cena esta semana na coluna CONTO AFORA. Aleilton Fonseca, escritor reconhecido nacionalmente, compõe As cores do Mar como quem faz uma pintura: cada palavra, uma pincelada leve e precisa.

Depois da leitura, clique AQUI  e ouça o  tema musical de As cores do mar.

Conto Afora4ªTemporada

Helena me ensinou a contemplar o mar com olhos plenos de desejos. Era manhã, e a claridade respingava em pérolas à flor das águas. Ela tomou-me pela mão e me conduziu até os arrecifes, próximo às ondas, ao abrigo da luz intensa para que não se turvassem os nossos olhos. O sol reverberava ao longe, desmanchando a certeza da linha do horizonte. Ao longe passava um barco, e eu o decalquei na memória como testemunha de nossa aventura.

Eu adorava estar com Helena. O céu e o mar eram apenas os planos justapostos de uma imensa moldura, sobre a qual eu simplesmente saboreava a sua presença. Ela prosseguiu seu ensino, mostrando-me como observar as diversas cores do mar. Eu, de olhos nus, ia tentando ver o que somente ela sabia recolher às retinas. Helena então retirou seus óculos escuros e os pousou suavemente em meu rosto. A suavidade das lentes acalmou meu olhar. Ela disse: “concentre-se e veja como é bonito”. Eu obedeci, com vontade de acertar o golpe de vista sobre as ondas. E comecei a notar nas águas, sob o prisma solar, as nuanças de cores, entre o espectro do verde e o azul, em tons suaves, entre mais claros e mais escuros. Era tudo tão simples, era tudo tão bonito. E eu lhe disse, baixinho, como se cochichasse aos seus ouvidos: “sim, Helena, agora estou vendo as cores”.

Helena sorriu, satisfeita e divertida. Eu aproveitei o relance, e naveguei de soslaio nos seus lábios entreabertos. E já me afogava nas águas que se espelhavam revoltas em seus olhos. As ondas cantavam uma melodia, seguindo seu rumo até o areal, arrematando-se nas pedras, com ritmo regular.  Meu coração se apressava, fazendo-me correrem ondas de sal nas veias.

O sol escondeu-se nas nuvens, o calor arrefeceu. Apanhei a mão de Helena, acariciando-a com ternura. Depositei de volta os seus óculos, e ela me olhou nos olhos de relance. Abracei-a e caminhamos pela praia, fugindo das ondas que ameaçavam alcançar os nossos corpos. Ao final do passeio, viajamos juntos num silêncio abarrotado de palavras. Helena parecia feliz. E eu, mais que isso, o coração no peito saltitava, sem controle, imerso nas ondas que nos afogavam.

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By Iracema Chéquer

Aleilton Fonseca (1959) é professor e escritor baiano, produz poesia, conto, ensaio e romance, publicou mais de 20 livros, sendo mais recentes Nhô Guimarães e O pêndulo de Euclides (romances), O canto de Alvorada, O desterro dos mortos, As marcas da cidade (contos), Memorial dos corpos sutis (novela), As formas do barro e Um rio nos olhos (poesia) e O arlequim da Pauliceia (ensaio). Pertence ao Pen Clube do Brasil, à UBE-SP, à Academia de Letras de Itabuna e à Academia de Letras da Bahia. Tem textos publicados em francês, espanhol, inglês, alemão, neerlandês e italiano. 

 

 


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